Iniciativa, apresentada durante a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, visa mobilizar o poder público e a sociedade para o cumprimento da Lei nº 12.244/2010
Pavilhões lotados para o reencontro entre leitores e histórias, contadas nos mais diversos meios. Após quatro anos de ausência, em razão da pandemia de Covid-19, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo voltou ao formato presencial, no dia 2 de julho, para sua 26ª edição. No ano em que é celebrado o centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo – movimento vanguardista que, entre outras questões, também discutiu o papel das bibliotecas na construção da identidade brasileira –, o Sistema CFB/CRB lançou a campanha #SouBibliotecaEscolar.
A cerimônia, promovida no fim da tarde de sábado (02/07), na Sala Blogueiros da Expo Center Norte, reuniu pessoas bibliotecárias, parlamentares e representantes das áreas da educação e cultura. A iniciativa busca articular atores e desenvolver ações conjuntas para garantir o cumprimento da Lei nº 12.244/2010 (Lei da Universalização das Bibliotecas Escolares), que determinou que todas as instituições públicas e privadas de ensino do país desenvolvessem esforços progressivos para constituírem bibliotecas próprias, com acervo mínimo de um título para cada aluno matriculado.
No entanto, o prazo de cumprimento da lei se esgotou em 2020, sem uma mudança efetiva na realidade das escolas brasileiras – cenário amplamente exposto ao longo da cerimônia. No discurso de abertura, a anfitriã do evento e presidenta do CRB-8, Ana Cláudia Martins (CRB-8/8246), destacou a necessidade de sensibilizar o poder público, com apoio da sociedade, para exigir o cumprimento da Lei nº 12.244/2010.
“No Brasil, há milhares de escolas desprovidas de bibliotecas. A ausência desses espaços agrava os indicadores de analfabetismo funcional, cria empecilhos ao desenvolvimento crítico e impede o acesso à cultura. A lei possibilitaria obter investimentos para superar essa situação, mas falta vontade dos gestores públicos para implementá-la. Por isso, vamos nos mobilizar pelas redes e buscar meios políticos para torná-la realidade”, salientou.
Em um discurso emocionado, o presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), Fábio Cordeiro (CRB-1/1763), reforçou que a campanha nasceu com a missão de mobilizar a sociedade para que todas as escolas brasileiras tenham bibliotecas com bibliotecários. “É no cerne da escola que nasce a paixão pelos livros, que tem nas bibliotecas o principal equipamento para sua popularização”, disse.
Por isso, Fábio indica que o principal desafio da 19ª Gestão do CFB será fazer com que a Lei nº 12.244/2010 seja cumprida. “Estamos mobilizando as pessoas bibliotecárias nas redes sociais a usarem a hashtag #SouBibliotecaEscolar e convocando políticos de diferentes espectros para debater os melhores caminhos para efetivação da medida”, destacou, antes de vestir a camisa da campanha.
O gesto simbólico foi repetido por Vera Stefanov, presidente do Sindicato dos Bibliotecários, Cientistas da Informação, Historiadores, Museólogos, Arquivistas, Documentalistas, Auxiliar de Biblioteca e de Centros de Documentação no Estado de São Paulo (SinBiesp). Segundo Vera, algumas salas de leitura disponíveis nas escolas paulistas são verdadeiros ‘depósitos de livros’, onde os profissionais bibliotecários sequer podem entrar. “É como diz o poeta Sérgio Vaz: ‘o livro traz conhecimento, mas o bibliotecário é quem dá asas para voar’”, alertou.
Para a vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas de Informação e Instituições (Febab), Adriana Cybele Ferrari (CRB-6/5759), construir escolas com bibliotecas e ter bibliotecários nesses espaços é essencial para o futuro do país. “A desigualdade social avançou nos últimos anos, principalmente entre as mulheres negras. Como podemos combater isso sem investir na formação de novos leitores? Esse é o desafio que a Febab e outras instituições têm assumido, em consonância com a Agenda 2030 da ONU.”
Fotos do lançamento da campanha #SouBibliotecaEscolar
Parlamentares abraçam iniciativa
Aclamada como uma das madrinhas da campanha #SouBibliotecaEscolar, a educadora, ex-prefeita de São Paulo e deputada federal, Luiza Erundina (PSOL/SP), ressaltou que a Bienal de São Paulo e a iniciativa capitaneada pelo Sistema CFB/CRB se completam. Durante seu discurso em defesa das bibliotecas escolares, a parlamentar citou a gratidão por ter contado com Paulo Freire e Marilena Chauí como seus secretários de Educação e Cultura, nesta ordem, em sua gestão à frente da Prefeitura de São Paulo.
A deputada também convocou seus colegas parlamentares a articularem esforços para a efetivação da Lei da Universalização das Bibliotecas Escolares. “Não há democracia quando as leis são descumpridas, assim como não há esperança sem crianças e jovens encantados pelos livros e pelas artes. Por isso, minha saudação a todos os 45 mil bibliotecários e bibliotecárias do Brasil, que prestam um relevante serviço anônimo em favor da mediação da leitura. Vamos pressionar o Poder Executivo a cumprir essa lei.”
Durante a cerimônia, os deputados federais Nilto Tatto (PT/SP) e Paulo Teixeira (PT/SP) fizeram um paralelo entre o aumento da pobreza no país e a desvalorização da cultura. “O livro está cada vez mais caro e as pessoas estão com cada vez mais fome. Se não tivermos bibliotecas, como poderemos formar novos leitores?”, questionou Nilto, cuja fala foi endossada pelo colega parlamentar. “Precisamos de mais bibliotecas e menos clubes de tiro, pois a leitura é o que liberta e traz oportunidades”, disse Paulo, orgulhoso por ter sido educado em escolas públicas com bibliotecas, assim como seus seis filhos.
Educador e morador da periferia de São Paulo, o vereador paulistano Toninho Vespoli (PSOL) acredita que as bibliotecas permitem a formação do pensamento crítico e da humanização. “Há pessoas que trabalham nas escolas, recebem pouco mais de um salário-mínimo, e sequer entraram em uma biblioteca. É preciso que nossas bibliotecas escolares sirvam aos alunos, aos profissionais da educação e à toda a comunidade”, reforçou.
As bibliotecas também ajudam a descortinar um horizonte de ideias, segundo o deputado Enrico Misasi (MDB/SP). Foi o caso dele, que descobriu o gosto pela política ao frequentar esses equipamentos de acesso à leitura. “Quando à Câmara dos Deputados, fui logo conhecer nossa biblioteca e seu acervo de obras raras. Mas também percebi que muitos colegas sequer valorizam esse espaço. Para mim, uma sociedade mais fraterna só se constrói com leitores capazes de mergulhar no mistério que é o outro.”
Professora universitária, a deputada estadual Janaína Paschoal (PRTB/SP) afirmou ser uma entusiasta dos livros e do poder da leitura. “Sou Biblioteca Escolar, mas também sou biblioteca nos presídios, pois as pessoas que lá estão precisam experienciar a leitura como uma forma de liberdade”. Assim como seus colegas, ela reforçou sua preocupação com o fechamento de bibliotecas no país, que atingiu mais de 700 unidades entre 2015 a 2020, segundo uma pesquisa do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP).
Informação para transformar
Coordenadora da Comissão de Bibliotecas Escolares e Públicas do CFB, Maria Lourdes Blatt Ohira (CRB-14/213) detalhou o trabalho conduzido pelo Conselho Regional de Biblioteconomia da 14ª Região (CRB-14). A jurisdição, que representa Santa Catarina, fez há alguns anos um diagnóstico da situação das bibliotecas no estado, utilizando-se da Resolução nº 220 do CFB para estabelecer parâmetros para aplicação de um questionário junto às escolas com mais de 400 alunos e em municípios catarinenses com mais de 5 mil habitantes.
O trabalho permitiu ao Ministério Público (MP) de Santa Catarina cobrar medidas efetivas por parte das autoridades locais. Como resultado do diagnóstico, 59 vagas de bibliotecários foram abertas em escolas estaduais de Santa Catarina e dez em escolas municipais. “Ganhamos dezenas de bibliotecas escolares com bibliotecários. Trata-se de um avanço para a profissão, mas, principalmente, para a formação leitora nas escolas”, enfatizou.
Ciente dos bons resultados em Santa Catarina, o CRB-8 também iniciou uma grande pesquisa no primeiro semestre deste ano sobre a realidade das bibliotecas escolares em São Paulo. A partir dos mesmos parâmetros utilizados pelos catarinenses, os paulistas já mapearam a realidade de 15 das 16 regiões administrativas do estado. Ao todo, os questionários foram enviados a diretores de escolas públicas e privadas de 504 munícipios.
De acordo com dados preliminares, 93,8% das escolas possuem salas de leitura, sendo 82,25% com professores trabalhando, 26,7% com atendimento ao público e só 3,3% com bibliotecário. “Como deixar o livro em circulação se os alunos e a comunidade não encontram as portas da biblioteca ou sala de leitura aberta, nem profissional habilitado para mediar esse contato?”, provoca o coordenador da Comissão Temporária de Bibliotecas Escolares do CRB-8, Marcos Antonio de Araújo (CRB-8/8449).
Caracterizado como Mário de Andrade – um árduo defensor da Biblioteconomia –, o ator e diretor Pascoal da Conceição entoou um texto do autor modernista, atual até hoje. “Isso é a grandeza admirável da Biblioteconomia! Ela torna perfeitamente acháveis os livros como os seres (…). E pelo próprio hábito de fichar, de examinar o livro em todos os seus aspectos e desdobrá-lo em todas as suas ofertas, a Biblioteconomia ralenta os seres e acode aos perigos do tempo, tornando para nós completo o livro, derrubando os quépis e escovando as becas.”