Livraria é livraria, e biblioteca é outra coisa

Deputado propõe que livrarias sejam obrigadas a vender todos os livros que editoras e autores oferecerem a elas

Com a ideia de que livrarias não são “meras casas comerciais”, e que “é preciso, portanto, dar a livraria e ao ponto de vendas do livro um caráter público e social”, o ex-deputado Bonifácio de Andrada, do PSDB de Minas Gerais, apresentou em 17 de novembro o projeto de Lei nº 7913/2010que “dispõe sobre a livre circulação e produções intelectuais”. Basicamente, o que ele espera é que todos os livros lançados no Brasil sejam vendidos em todas as livrarias do país. A loja perderia, assim, o direito de escolher os produtos que quer vender e teria de abrigar a cada ano alguns milhares de novos títulos. Só em 2009, segundo a pesquisaProdução e Vendas do Setor Editorial feita pela Fipe, foram mais de 22 mil lançamentos e 30 mil reedições.

Para ele, há um jogo econômico nas escolhas, o que impede que novos autores ou autores independentes e pequenas editoras consigam fazer suas ideias e suas obras circularem. Agora, se 35% das livrarias brasileiras faturam até R$ 350 mil e outros 24% ficam na faixa dos R$ 600 mil a R$ 1,2 mi, conforme mostrou o Diagnóstico do Setor Livreiro da Associação Nacional das Livrarias (ANL) apresentado em 2009, a conclusão é clara: nossas livrarias são pequenas. Caberá tanto livro?

“Esse projeto interfere na questão comercial da livraria e a ANL é totalmente contra”, disse Vitor Tavares, presidente da entidade. “Não tem espaço nem nas pequenas e nem nas grandes lojas, e deve haver uma seleção dos títulos levando em conta que cada ponto tem suas especificidades”, completou. Para ele, a lei interfere também na livre democracia e, se aprovada, será mais uma daquelas que não vão pegar.

Mas Andradinha, como também é conhecido, reconhece que os livreiros talvez não queiram vender alguns títulos que possam “ferir a lei, os bons costumes ou sejam escritos com má qualidade”. Neste caso, segundo o projeto, o responsável deverá comunicar por escrito ao editor ou ao autor o motivo da decisão de não vender o livro. Se eles ainda questionarem, quem decidirá, conforme a proposta, será a Câmara Brasileira do Livro. “Há mecanismos que a presente lei prevê para que os bons livros sejam entregues à circulação e os livros de má qualidade não tenham as mesmas garantias.”, diz o texto do projeto. E como atestar essa qualidade?

A CBL, no entanto, não foi procurada pelo deputado enquanto ele preparava o projeto. A presidente Rosely Boschini comentou que cerca de 80% das livrarias têm capacidade limitada para acolher edições, podendo manter em loja até 10 mil exemplares. “Há evidente dificuldade para receber todo e qualquer novo livro pelas livrarias”, disse.

Como bem lembrou Jaime Mendes no blog Livros, Livrarias e Livreiros, a Constituição de 88 diz que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”. O Art. 174 detalha a questão: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”

Descendente do patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, Bonifácio José Tamm de Andrada foi deputado federal nas últimas oito legislaturas, professor universitário, fundador e reitor da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) e é membro da Academia Mineira de Letras. Já escreveu pelo menos uma dezena de livros (confira aqui), mas apenas um deles, embora esgotado, está registrado no site da Livraria Cultura. Ele não se reelegeu nas últimas eleições, mas é o segundo suplente do PSDB mineiro.

A ANL está se organizando para conversar com o relator do projeto de lei, o deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), para expor sua posição. Se quiser acompanhar o caso, é só ficar de olho aqui.

Texto original do Artigo 1 da Lei 10.753/03

Art. 1o Esta Lei institui a Política Nacional do Livro, mediante as seguintes diretrizes:

I – assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro;

II – o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida;

III – fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão, a distribuição e a comercialização do livro;

IV – estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros, tanto de obras científicas como culturais;

V – promover e incentivar o hábito da leitura;

VI – propiciar os meios para fazer do Brasil um grande centro editorial;

VII – competir no mercado internacional de livros, ampliando a exportação de livros nacionais;

VIII – apoiar a livre circulação do livro no País;

IX – capacitar a população para o uso do livro como fator fundamental para seu progresso econômico, político, social e promover a justa distribuição do saber e da renda;

X – instalar e ampliar no País livrarias, bibliotecas e pontos de venda de livro;

XI – propiciar aos autores, editores, distribuidores e livreiros as condições necessárias ao cumprimento do disposto nesta Lei;

XII – assegurar às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura.

Novos parágrafos sugeridos pelo deputado (a serem incluídos no artigo 1)
1º A livre circulação do livro no país será garantida como fomento da produção intelectual, na forma dos incisos III, IV e VIII deste artigo, nas livrarias ou pontos de venda de livros, independentemente de qualquer vinculação a empresas distribuidoras ou editoras que deverão facilitar a venda de obras que forem encaminhadas à aquela.

2º No caso de a livraria ou ponto de venda não aceitar os livros ou obras para venda deverá comunicar por escrito ao editor e ao autor do mesmo, expondo as razões desta atitude, podendo aqueles recorrer aos dirigentes da Câmara Brasileira do Livro ou as Câmaras Estaduais do Livro, que decidirão sobre o assunto.

3º Toda livraria será considerada núcleo cultural de importância social protegida pelo Poder Público e aberta à participação de todos os cidadãos interessados em leitura, ou movimentação de obras da inteligência humana.

Fonte:PublishNews – 11/01/2011 – Maria Fernanda Rodrigues