A cidade e sua biblioteca

A biblioteca Mário de Andrade, que reabre amanhã ao público, no aniversário da cidade de São Paulo, não cumpria bem suas vocações nos últimos anos

No aniversário da cidade de São Paulo, amanhã, a biblioteca Mário de Andrade reabre ao público, após obras de restauro e modernização.

O projeto dos arquitetos José Armênio Brito Cruz e Renata Semin introduziu um corredor transparente entre a entrada principal do edifício e a lateral da rua São Luís. A fachada austera ganhou predicado de leveza, que estimula o passante da Consolação a invejar o leitor interno, alheio à agitação da rua.

A biblioteca se apresenta em nova moldura: o projeto de paisagismo do arquiteto André Graziano renova a praça Dom José Gaspar.

Um cinturão verde abraça o edifício, o que permite o abrandamento da grade, diminuída e afastada do seu corpo. O busto de Mário de Andrade, da lavra de Bruno Giorgi, que ficou ao relento por 50 anos, foi convidado a entrar na sua casa.

Durante a obra, que custou à Prefeitura de São Paulo R$ 17 milhões, boa parte financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), algumas surpresas foram encontradas. Lambris, estantes e livros infestados de brocas e cupins, ausência de estrutura no piso da circulante, necessidade de refazer a rede elétrica e de implantar sistema de prevenção de incêndios.

Mas a inesperada novidade foi o desbaratamento de uma quadrilha que, de dentro da biblioteca, furtava obras raras do seu acervo e de outras instituições.

Ao assumir a prefeitura, José Serra priorizou, na cultura, a recuperação da Mário de Andrade. E convidou para a difícil tarefa o advogado Luís Francisco da Silva Carvalho Filho, que a dirigiu entre 2005 e 2007. Ele reviu o projeto herdado da administração anterior, que previa a escavação de três andares subterrâneos e a instalação de um restaurante no terraço, e reabilitou a revista da biblioteca, hoje certamente entre as melhores do gênero.

O acervo de 3 milhões de itens começou a ser enfrentado. Investimentos da prefeitura se somaram a recursos originários de premiações em editais da Petrobras e do BNDES, o que possibilitou um tratamento de choque numa coleção empoeirada. Nesse campo, assim como no da catalogação, praticamente tudo precisa ser feito.

A biblioteca da cidade não é apenas local, nem mesmo de alcance exclusivamente municipal; é a segunda do país e, portanto, uma biblioteca nacional. É principalmente uma biblioteca de pesquisa, com uma notável coleção de obras raras, composta de livros, periódicos, mapas, e de preciosa iconografia.

Sua missão é atender ao contingente e ao permanente, ao leitor esporádico e ao pesquisador exigente. Nos últimos anos, não cumpria bem nem uma nem outra de suas vocações. Estava paralisada.

Desde 1957, pouco mais de dez anos depois da inauguração, sua torre atingia a capacidade de armazenamento. O desafio passou a ser a construção da segunda torre. Um prédio cedido pelo governo do Estado à prefeitura, atualmente em obras na rua Bráulio Gomes, cumprirá essa função.

A obra que o prefeito Kassab inaugura amanhã promoveu o retorno da biblioteca circulante ao prédio principal. Aberta desde julho de 2010, a circulante já foi visitada por 90 mil leitores, que emprestaram 21 mil volumes. A obra liberou parte da torre da biblioteca, o que lhe permite voltar a respirar.

Abandonada pela cidade no processo de evasão do centro que se iniciou há 40 anos, a biblioteca Mário de Andrade revive.

CARLOS AUGUSTO CALIL, 59, professor da ECA/USP, é secretário municipal de Cultura de São Paulo.