O novo romance “Chopsticks” conta a história de uma jovem e problemática pianista prodígio – usando fotos de família, cartas, documentos, mensagens instantâneas e vídeos do YouTube. É uma história de amor e mistério, e uma parábola sobre criatividade e loucura.
É também um experimento que pode ter profundas implicações para o mercado de livros em todo o mundo, à medida que editores ampliam a definição do que constitui um livro. “Chopsticks” – inglês para “hachi”, os palitinhos que asiáticos usam para comer – cruza a fronteira digital que está transformando o universo das editoras.
A história, escrita por Jessica Anthony e pelo artista gráfico Rodrigo Corral, será lançada como um livro impresso e como um aplicativo para iPad e iPhone. A edição impressa, que estará disponível a partir de 2 de fevereiro por US$ 19,99 nos Estados Unidos, é um livro maior do que o padrão e saturado de cores. A versão digital será lançada simultaneamente, por US$ 9,99, nas lojas de aplicativos da Apple e na iTunes, também da Apple Inc., e permite ao leitor ampliar as imagens, folhear álbuns de fotos, assistir a videoclipes, ouvir as músicas preferidas dos personagens e ler as suas mensagens instantâneas. O leitor pode até mudar a sequên-
cia da história, criando uma versão personalizada.
Livros digitais incrementados – que têm recursos multimídia como áudio, vídeo, gráficos que saltam na tela, imagens em 3D e animação – vêm sendo apontados como a nova fronteira no cenário de livros digitais. O explosivo crescimento das vendas de livros digitais, ou e-books, associado à rápida adoção do iPad e outros computadores portáteis do tipo tablet, como o Galaxy, da Samsung, e o Kindle, da Amazon, têm levado os editores a experimentar novas formas de interatividade nos livros. Muitos no mercado editorial estão observando atentamente para ver se “Chopsticks” vai se transformar em um pioneiro literário que inaugurará uma nova espécie de e-book, ou um alerta sobre um elaborado fiasco.
A editora britânica Penguin planeja lançar 50 e-books incrementados e aplicativos de livros neste ano, ante 35 em 2011. Entre os projetos em andamento está uma biografia do ativista americano de direitos humanos Malcom X, com vídeos, fotos raras e um mapa interativo do histórico bairro nova-iorquino do Harlem, onde ele morava. Um aplicativo da série para jovens adultos “Academia de Vampiros” da Penguin, um dos seus campeões de vendas, terá um mapa interativo dos personagens, fotos, ilustrações, vídeos e conteúdo adicional escrito pelo autor. A editora americana Simon & Schuster planeja lançar perto de 60 títulos para crianças e adultos, incluindo livros de não ficção sobre jovens inovadores, sapateado e neuropsicologia.
Numa iniciativa que pode transformar radicalmente o mercado para a nova geração de e-books, a Apple anunciou recentemente que vai fazer parcerias com editores e educadores para criar livros didáticos digitais e interativos. Como amostra, a empresa lançou uma versão grátis de “Life on Earth” (Vida na Terra), um livro multimídia de biologia da fundação americana E.O. Wilson, dedicada ao estudo e promoção da biodiversidade. “Life on Earth” inclui recursos interativos como animação do DNA, vídeos de formigas e espécies de árvores invasoras, além de questionários.
Mas muita gente no mercado editorial continua duvidando da disposição dos leitores em pagar mais por esses recursos adicionais, ou mesmo que eles queiram ter sua leitura interrompida por ornamentos e firulas digitais. Alguns dizem que os livros devem evoluir para serem mais parecidos com aplicativos, ou correm risco de extinção. Outros lembram que os editores já tentaram isso antes, e falharam feio. Lembra do CD-ROM?
“O consumidor não está pedindo isso”, diz Jane Friedman, diretora-presidente da Open Road Media, uma editora de livros digitais que está experimentando com e-books incrementados. “O livro deixa de ser uma experiência de leitura para ser algo diferente, e nós somos editores”.
Duda Ernnany, que em 2009 fundou a livraria digital Gato Sabido, disse que experiências iniciais com interatividade e multimídia em e-books no Brasil não foram muito longe. “Eles nasceram e não tiveram filhos”, disse Ernanny.
Mas depois de terem demorado a adotar tecnologias digitais, as editoras mundiais não querem agora chegar atrasadas ao que pode ser a mais importante transformação em seu mercado desde Gutenberg. As vendas de e-books continuam a subir: os títulos digitais representaram 4% dos livros vendidos nos EUA no segundo semestre de 2010, mas chegaram a 13% um ano mais tarde, de acordo com a Bowker Market Research, uma firma de análises do setor. Para algumas editoras, livros digitais já respondem por 25% a 30% da receita. Um número crescente de compradores de livros está lendo em tablets: 65 milhões deles foram vendidos no mundo em 2011, em comparação a 17 milhões em 2010, segundo a firma de pesquisa IHS iSuppli.
A loja iBook, da Apple, tem agora centenas de títulos de e-books em versão aprimorada, e sua loja de aplicativos para iPad tem mais de 25.000 aplicativos para livros.
O fato de que os tablets se tornaram tão importantes para os livros eletrônicos pode acabar jogando contra o crescimento dos e-books no Brasil, porque os aparelhos ainda custam relativamente caro no país, dizem executivos do setor.
O iPad, vendido nos EUA a partir de US$ 499, custa pelo menos R$ 1.629 (US$ 937) no Brasil.
Eduardo Melo, que em 2010 criou a Simplíssimo, uma empresa que desenvolve e ensina a desenvolver livros digitais, disse que, além do alto custo de produção e do mercado incipiente, a falta de programadores qualificados é outro empecilho para a proliferação de e-books incrementados no Brasil. “A gente está uns dois ou três anos defasado em relação a qualquer mercado americano ou europeu”, disse ele.
Mas mesmo nos mercados mais avançados nesse aspecto, só um punhado dos lançamentos tecnicamente mais elaborados foram grandes sucessos.
A editora britânica Touch Press tem lançado diversos títulos que fizeram barulho. Um sobre crânios, do autor anglo-americano Simon Winchester, apresenta uma galeria de mais de 300 crânios humanos e de animais que podem ser girados 360 graus, alargados e visualizados em três dimensões com óculos 3-D. “The Elements”, que tem imagens interativas de cada elemento da tabela periódica, tornou-se um best-seller, vendendo 250.000 cópias a US$ 13,99 cada, e trazendo mais de US$ 2,5 milhões em vendas.
O ainda incipiente mercado de livros digitais no Brasil tem algumas experiências com edições que oferecem alguma interatividade. Um exemplo é a versão para iPad do livro infantil “Quem Soltou O Pum?”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo, publicado pela Cia. das Letras. Lançado em agosto passado por US$ 8,99 na loja iTunes, o e-book permite que o leitor mexa objetos e o cachorro protagonista Pum. A Cia. das Letras não respondeu a pedidos de informações sobre as vendas do e-book.
Aplicativos altamente produzidos são caros de fazer, mas até agora têm sido lucrativos, diz o diretor de criação da Touch Press, Theodore Gray. A editora gastou US$ 120.000 em “The Waste Land” (“A Terra Desolada”), de T. S. Elliot, e recuperou todo o investimento em quatro semanas e meia.
Mas ainda há muita incerteza. Alguns dos editores desses e-books aprimorados interromperam a produção devido a vendas anêmicas. A Enhanced Editions, uma editora britânica de aplicativos para livros eletrônicos fundada em 2008, lançou títulos de autores de peso como Stephen King, Barack Obama e Nick Cave. Depois de não obter lucro na maioria dos seus títulos, alguns com vendas abaixo de cem cópias, o cofundador da empresa Peter Collingridge desistiu do negócio de aplicativos.
“Os consumidores não estão acordando de manhã dizendo: ‘Eu realmente preciso ver o Nick Cave quando ler o livro dele, e com trilha sonora’. Nós estamos resolvendo um problema que não existia”, diz Collingridge.
O “Chopsticks” revelou-se tremendamente complexo para produzir. A equipe de criação acabou virando uma pequena equipe de filmagem, com atores, fotógrafos, cinegrafista, ilustrador e um punhado de programadores de uma empresa de desenvolvimento de aplicativos do Reino Unido. Projetar o aplicativo, que custou cerca de US$ 50.000, provocou desde questões sobre direitos autorais até dilemas criativos sobre como inserir recursos de multimídia sem sacrificar a elegância da história.
Puristas soam alertas contra eliminar a separação entre livros e videogames. Mas alguns escritores vêem isso como o futuro da narrativa. “Todas essas narrativas digitais já existem ao nosso redor”, diz Anthony. “Quando você vai no YouTube ou no iTunes, encontra uma completa integração da experiência da narrativa no seu computador como nunca houve antes.”
Por Alexandra Alter e Luis Garcia | The Wall Street Journal
Fonte: Valor Econômico, de 31.01.2012 – pg. B7